Quando o coronavírus ainda estava restrito ao território chinês (janeiro/2020), muitos inclusive no Brasil, pensaram que o problema não cruzaria as fronteiras internacionais, que seria controlado como ocorreu com o SARS em 2003.
Sem tecer o histórico de toda a pandemia (pois não é o meu foco), a verdade é que de uma maneira inesperada e imprevista ela atingiu a cadeia de suprimentos global, e ao que tudo indica esta precisará de anos para esta se recuperar totalmente.
Embora muitas equipes nas áreas de logística e suprimentos, nas diversas empresas e indústrias mundo afora, estejam se empenhando em minimizar os efeitos da crise, as ações são reativas e descoordenadas. Entretanto, sabe-se que uma minoria de empresas havia investido no mapeamento e visibilidade de sua cadeia de suprimentos desde antes da pandemia, e assim pode reagir de forma mais planejada.
No geral, as atuais cadeias de suprimentos estão estruturadas sob risco potencial, embora sejam especializadas, globalizadas e enxutas, operando no formato Just in Time. Nos últimos anos vários eventos demonstraram como, na verdade, as cadeias de suprimentos são frágeis. O grande terremoto e tsunami no leste do Japão (2011), as inundações na Tailândia (2011), o vulcão Eyjafjallajokull (2010), o aumento da pirataria marítima e o surto de vegetais infectados por e-coli (2011) na Europa são apenas alguns exemplos.
Deveras, a pandemia de coronavírus forçará as empresas a se reestruturarem e a fazerem melhor uso das tecnologias, diversificando suas cadeias. Embora a China tenha se ofendido com as críticas do presidente Trump, o qual usou a expressão “vírus chinês”, é bem provável que após a pandemia haja a preocupação: “e se outro vírus como este surgir?”. Muitas empresas já perceberam que uma concentração excessiva na China não é o ideal, e esta pandemia expôs a vulnerabilidade de países e empresas altamente dependentes de pequeno número de parceiros. Parece ser o fim da globalização como a conhecemos. Talvez ainda haja globalização, mas ela passará a ser diferente.
Na década de 70 a Toyota foi pioneira em termos de gestão enxuta e eficiente e o conceito foi adotado no mundo inteiro. Porém esta mesma produção JIT também tornou a manufatura mais vulnerável a interrupções, justamente pela cultura de manter níveis mínimos de estoque.
Com o aumento da frequência de eventos que causam a interrupção das cadeias de suprimentos, torna-se necessário reavaliar o uso de métricas de desempenho de fornecedores, incorporando ainda mais o uso de tecnologias como Internet das Coisas (IoT), Machine Learning e inteligência artificial (IA) para que haja mais visibilidade dos eventos e seus impactos nas cadeias e assim se antecipar às variabilidades. Dados gerados por IA, por exemplo, podem medir de forma muito mais eficaz a demanda para planejar e gerenciar a oferta, mas para fazer a diferença são necessários investimentos massivos em tecnologia e análises, para se ter qualidade de dados e evitar falhas de abastecimento.
Blindar a cadeia de suprimentos
Há 5 principais razões para a fragilidade das atuais cadeias de suprimento:
• Níveis de estoque mínimos
• Alta rigidez das cadeias
• Gestão manual das cadeias
• Falta de transparência e de visibilidade das cadeias
• Produção centralizada.
Minimizar os efeitos da variabilidade para evitar interrupções no abastecimento não será tarefa fácil. E o aumento nos níveis de estoque ou na quantidade de fornecedores também não serão bem vistos, pois isto fatalmente irá impactar o preço final ofertado ao cliente.
Cadeias de suprimento, além robustas, precisam ser flexíveis e resilientes para garantir o abastecimento mesmo em períodos conturbados. Além disso, as cadeias precisam ser inteligentes para aprender e se aprimorar. Para tanto, as cadeias precisam evoluir e se tornar plenamente digitais, tanto em relação a fornecedores quanto em relação a gestores. Veja que mesmo em 2020, muitas cadeias de suprimento ainda operam baseadas e papel e em gestão puramente manual, com uma cultura lenta e reativa ao invés de ágil e proativa.
Para formar cadeias de abastecimento resilientes, há ao menos 5 aspectos para os quais os gestores devem dispensar especial atenção:
1) Revisar e identificar itens originários de áreas de alto risco de interrupção do abastecimento.
2) Fazer uma estimativa real do estoque existente ao longo de sua cadeia de valor. Ou seja, o nível de estoque que realmente agrega valor.
3) Fazer maior uso de ferramentas tecnológicas de previsão estatística de demanda de forma a definir de forma mais realista o horizonte de tempo ideal para previsões e para tomar decisões mais acertadas em caso de eventos e incidentes.
4) Testar cenários prospectivos para melhor analisar a capacidade de produção sob o ponto de vista financeiro e operacional.
5) Por meio do planejamento de contingências e por meio da visibilidade em tempo real (rastreamento de cargas, p. ex.), adotar abordagens ágeis e formas de gerenciamento para rápida adaptação a mudanças situacionais.
6) Garantir que a análise de risco da cadeia de suprimentos faça parte da estratégia de compras e governança.
7) Desenvolver redes de suprimentos mais confiáveis, que envolvam clientes, concorrentes, fornecedores e inclusive os órgãos públicos, todos com foco em gerenciamento de riscos.
CONCLUSÕES
A pandemia COVID19 não será em vão, mas sim uma oportunidade para aprender, se preparar e se aprimorar, na tentativa de se superar para outras crises que possam surgir.
Ficou claro que as cadeias de suprimentos são menos globais do que se pensava. Ao fim da crise a expectativa é de que as cadeias de suprimentos migrem para o sudeste asiático, Bangladesh, talvez para alguns países do Leste Europeu que já vinham se despontando nas cadeias de suprimento globais, assim como para o México. Isso e até difícil de prever, pois os laços das cadeias de suprimentos com a China eram muito fortes, mas haverá mudanças significativas nos players do mercado mundial. Deveras, o cenário para um redesenho das cadeias de suprimentos globais já vinha se consolidando com os eventos naturais descritos linhas atrás e com a intensa guerra comercial, tendo a pandemia assumido papel de “gota d’água”.
Sempre haverá o “trade off” entre custos e riscos, mas acredita-se que após a pandemia as empresas irão querer minimizar riscos e trabalhar com variedade de fornecedores, ao invés de “colocar todos os ovos em apenas uma cesta”, de forma que quando esta pandemia se for as empresas se dividirão sob certo ponto de vista, em dois tipos:
1) As que não mudarão, e irão rezar para que um evento deste tipo jamais se repita. Estas contarão com a sorte.
2) As que irão tirar valiosas lições da crise, realizando os devidos investimentos de forma a não operar às cegas em outro evento similar. Estas têm a maior chance de vencer.
Passada esta crise, deve-se avaliar e mapear os riscos, vulnerabilidades e impactos na cadeia de suprimentos em todos os setores, seja industrial, empresarial, público, de transporte aéreo ou dos demais modais. E também por meio de governança de risco deve-se buscar uma gestão sustentável, resiliente e anticrises. Para tanto, é necessário um processo de digitalização do gerenciamento das cadeias, dotando-as de velocidade, precisão e flexibilidade, já que a cadeia de suprimentos digitalizada favorece a gestão de riscos por meio de melhor visibilidade e coordenação sobre a sua complexidade.
Como dito, a globalização com conhecemos será abalada, mas não é simples freia-la, não há um botão de liga/desliga.
REFERÊNCIAS
• https://hbr.org/2020/03/coronavirus-is-a-wake-up-call-for-supply-chain-management
• https://www.iotworldtoday.com/2020/03/27/analytics-in-supply-chain-management-becomes-central-as-coronavirus-escalates/
• https://www.supplychaindigital.com/supply-chain-management/gartner-how-supply-chains-can-mitigate-coronavirus-impact
• https://www.supplychaindigital.com/supply-chain-management/coronavirus-and-antifragile-supply-chain
• https://www.mckinsey.com/business-functions/operations/our-insights/supply-chain-recovery-in-coronavirus-times-plan-for-now-and-the-future
• https://www.cnbc.com/2020/03/20/coronavirus-shocks-will-lead-to-massive-global-supply-chain-shuffle.html
• https://www.weforum.org/agenda/2020/03/covid-19-coronavirus-lessons-past-supply-chain-disruptions/
• http://www.becompliance.net.br/call-to-arms-coronavirus-presents-an-opportunity-to-get-supply-chain-risk-management-right
• https://news.usc.edu/166804/coronavirus-global-supply-chain-economy-nick-vyas-usc-marshall/
• https://knowledge.wharton.upenn.edu/article/veeraraghavan-supply-chain/
O post Qual a Lição da Pandemia COVID19 para a Cadeia de Suprimentos Global? apareceu primeiro em CargoNews.
Fonte: cargonews.com.br